segunda-feira, outubro 17, 2005

Não necessariamente

A chuva tinha parado. Apesar de ser meados do mês, aquele Outubro estava a ser bastante diferente do que é habitual noutros anos. A temperatura andava por valores muito baixos e sentia-se o ambiente húmido resultante da imensa chuva que caía ultimamente. O Jorge olhou para o velho relógio que tinha há muitos anos, desde os tempos de estudante, e viu as horas - 21:35 - e decidiu acelerar o passo. Afinal de contas já estava atrasado. Há quase uma hora que recebera a mensagem do Paulo a pedir para aparecer na igreja por causa dum problema num computador e ele não queria chegar atrasado pois não era a sua maneira de ser. Além do mais, tratava-se do Paulo, um dos seus melhores amigos dos tempos do secundário e ficava-lhe muito mal chegar fora de horas ou até mesmo não aparecer. O Paulo e o Jorge fizeram parte daquele grande grupo que durante anos, mesmo após terem seguido para faculdades diferentes, andavam sempre juntos para todo o lado a divertirem-se e a fazer muita porcaria! No entanto, com o avançar da idade e o chegar a altura de arranjar emprego, cada um foi assentando e começaram a preocupar-se em estabilizar a vida. Agora, com 26 anos, tinham bons empregos e alguns já viviam em casa própria e tinham até constituído família. O Paulo era um dos que estava nesta situação. Casado há pouco menos dum ano e a trabalhar numa consultora, mantinha duas ocupações há vários anos: não perder um jogo do Benfica e dar aulas de catequese na Paróquia da Ajuda. Foi aí que um dos computadores existentes na igreja para dar apoio às actividades começou a dar problemas e o Paulo lembrou-se de pedir ao Jorge para dar um salto por lá e ver o que se passava com ele. Afinal de contas, ter um amigo que é engenheiro informático tem as suas vantagens.
Apesar do cansaço de mais um dia de trabalho, o Jorge não sentia qualquer dificuldade em percorrer a distância desde o seu emprego até à Ajuda. No entanto, hoje acontecera algo que tornara aquele dia diferente de qualquer outro. Depois de ter conhecido tanta gente e ter estado em tantos locais diferentes, ele achou incrível não só tudo o que lhe tinha sido feito como a impunidade com que tudo ocorreu. E viu bem que tinha um problema bem grande para resolver e não sabia como, apesar de ter a razão do seu lado e os trunfos todos na mão. Mas até as mãos pareciam atadas...
Tudo começara quatro meses antes. O Jorge estava a participar numa conferência sobre segurança informática quando teve uma surpresa totalmente inesperada: entre os outros participantes estava a Andreia Antunes, uma rapariga que já não via há alguns anos e que conhecia desde a adolescência pois moravam na mesma rua. Curiosamente, o Jorge não a reconheceu à primeira vista; a Andreia é que assim que olhou para ele, disse para si mesma: "É o Jorge!". E meteu conversa com ele. O Jorge nem queria acreditar. Há tantos anos que não se viam e agora, assim, casualmente, voltavam a estar frente-a-frente. Escusado será dizer que a conferência passou para segundo plano. Nenhum dos dois pensou mais nos temas que estavam a ser discutidos. O que interessava era pôr a conversa em dia, por isso aproveitaram todo o tempo disponível e contaram todas as novidades que tinham ficado "fechadas" durante anos. A Andreia fizera todo o secundário na Escola Secundária da Amadora mas não tirou notas que lhe permitissem ter uma média para entrar num curso em Lisboa. Por isso, foi colocada em Coimbra em Engenharia Informática e conseguira fazer o curso nos 5 anos após o qual regressou a Lisboa. Primeiro fizera um estágio de 12 meses na XPTOsoft, uma empresa de consultadoria onde foi muito elogiada por todos pelas suas capacidades e profissionalismo demonstrado. Um dos clientes da XPTOsoft reparou nela e fez-lhe um convite irrecusável: convidou-a para trabalhar na secção de segurança, a sua área preferida, da empresa A.C.S.Abreu sediada no Parque Expo. E desde então, era aí que trabalhava. Dois anos depois, a Andreia só tinha coisas boas para dizer do seu local de trabalho.
- Adoro trabalhar lá. Tem um ambiente espectacular e não falta nada. Os tipos da secção de inovação estão sempre atentos a tudo de novo que aparece no mercado de software e temos sempre as últimas novidades - dizia ela com grande entusiasmo ao mesmo tempo que a sua cara denotava uma expressão radiante.
- Vejo que estás muito contente por lá estar. Acho que não podias desejar melhor noutro sítio qualquer - afirmou o Jorge.
- Pois não. Muito dificilmente teria arranjado colocação semelhante noutra empresa. Cá em Portugal, as equipas de administração são compostas por pessoas muito calejadas nesta área e não é nada fácil para um novato conseguir entrar à primeira. Se esta oportunidade não tivesse surgido, ainda estava na XPTOsoft ou noutro sítio qualquer a encher currículo fazendo consultadoria tecnológica!
- Fico contente por ver que estás como peixe na água. E os teus colegas de trabalho, são pessoas competentes ou andam para lá a encostar-se aos outros para fazerem as coisas como eu vejo acontecer na minha empresa?
- Não, lá não há nada disso. São todos muito profissionais no que fazem. E do ponto de vista humano são excelentes pessoas! Acho que o meu patrão tem olho para escolher quem ele lá quer a trabalhar... e isso nota-se nos resultados ao final do mês. Temos sempre montes de clientes a pedirem-nos serviços e a recomendarem-nos.
- Isso é muito bom. Nesse caso, presumo que te dês bem lá com o pessoal... - afirmou o Jorge piscando o olho atrevidamente.
- Muito bem. Aliás, foi lá que conheci o meu amor - disse a Andreia com o grande sorriso na cara.
- Tens namorado? Ena, parabéns! Como se chama o felizardo que agarrou o teu coração?
- Chama-se Cláudio e é um dos economistas da empresa. Conhecemo-nos por acaso. Um dia ele passou pelo meu departamento à procura dum gabinete e perdeu-se. Acabou a bater à minha porta a pedir-me ajuda. Engraçámos um com o outro e pouco tempo depois ele convidou-me para um café. Andámos a sair durante uns tempos e, um dia, à saída dum cinema, ele segurou a minha cara com as duas mão e beijou-me. E desde então estamos juntos.
- Fico muito contente por ti - disse o Jorge segurando as mãos dela - e desejo-te as maiores felicidades.
- Obrigado. E tu, tens alguma menina a comandar o teu coração?
- Não, estou sozinho. Sinceramente, não perco muito tempo a pensar nisso nem faço disso o assunto prioritário da minha vida. Apenas vivo um dia de cada vez e jogo com o que me aparece pela frente...
- Pois bem, hás-de ver que um dia vais olhar para uma mulher de frente e o teu coração vai disparar. Confia em mim, experiência pessoal - afirmou a Andreia tocando com a mão direita no coração - Mudando de assunto, que fazes tu na tua empresa?
- Olha, é uma pergunta que faço a mim todos os dias, nos últimos 3 anos da minha vida. Especializei-me na área dos Sistemas de Informação para trabalhar em consultadoria e fui parar a uma empresa de perfumes onde sou um dos 5 administradores da rede interna. Por isso é que estou aqui. Os outros tipos com quem trabalho são uns autênticos geeks dizem que não sei tanto como eles o que não é verdade. O que eles sabem é andar a brincar com scripts e tretas assim. Eu, para não ter de os ouvir a sarnar-me a cabeça, venho a estas conferências para calar-lhes a boca.
A Andreia deu uma gargalhada ao ouvir estas palavras e o Jorge não conseguiu evitar imitá-la.
- A sério, estás a rir-te mas é verdade. Pelo menos não são maldosos porque se fossem, já tinha ido embora há montes de tempo. O que eu gostava mesmo era de trabalhar nos SI's... Bem, vamos ver o que o futuro me reserva - afirmou suspirando.
- Vais ver que um dia acontece-te como eu e vais para uma empresa em que trabalhes no que mais gostas.
- Oxalá tenhas razão.
A conversa continuou por muito mais tempo. Falaram mais dos empregos e contaram episódios dos tempos do secundário, da faculdade e ainda das respectivas famílias. No final, trocaram contactos e despediram-se, indo cada um à sua vida. No entanto, continuaram a ver-se e a conversar pela Internet.
Duas semanas depois, ao regressar do trabalho, o Jorge viu a sua caixa de correio e encontrou uma carta com remetente que dizia: "A.C.S.Abreu - Departamento de Recursos Humanos". Abriu e nem queria acreditar no conteúdo. De todas as frases que estavam impressas no papel, uma chamava-lhe a atenção: "Gostaríamos de contar com os seus préstimos no nosso Departamento de Consultadoria". Um enorme sentimento de contentamento invadi-o e deixou-se ficar sentado no sofá. O seu sonho estava a realizar-se. Foi então que ele ligou o nome da empresa que o tinha convidado à Andreia. "Foi ela que me recomendou, de certeza", pensou. Pegou no telemóvel e ligou-lhe mas o dela estava desligado. Deixou-lhe uma mensagem dizendo simplesmente "Obrigado miúda!" e saiu para ir jantar fora pois aquilo merecia ser festejado.
Na 2ª feira seguinte apresentou-se na A.C.S.Abreu e foi muito bem recebido pelo chefe dos Recursos Humanos e pelo director do departamento de consultadoria onde lhe deram as boas-vindas e levaram a conhecer os novos colegas e o gabinete de trabalho. O Jorge queria ter visto a Andreia para lhe falar mas dissera-lhe que a administração dos sistemas e segurança ficava noutro piso e ele teve que esperar pela hora de almoço que era às 13:00. Quando essa hora chegou, ele dirigiu-se ao refeitório da empresa e procurou pela Andreia. Ela dissera-lhe que estava num dos cantos da sala e lá estava ela, "acompanhada". O Jorge deu-lhe um abraço de amigo e, mais uma vez, agradeceu-lhe o gesto. Ela sorriu e disse-lhe apenas: "Tu mereces". Em seguida, olharam ambos para o homem que estava com a Andreia e este levantou-se e estendeu a mão ao Jorge, cumprimentando-o.
- Olá, sou o Cláudio. Muito prazer em conhecer-te - disse.
Cláudio Daniel Elias Carneiro. 23 anos, licenciado em Economia na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e árbitro de futsal ao fins-de-semana. O Jorge não fazia a mínima ideia de que este rapaz se iria tornar a maior dor de cabeça da sua vida. Logo no dia em que se conheceram o Jorge estranhou a forma como o Cláudio olhava para ele, com ar muito sério como se estivesse surpreendido com a reacção da Andreia à sua presença. Mas como ele foi bastante amável na forma como se apresentou e na conversa que se seguiu entre os três, o Jorge não ligou mais.
Depois deste dia, eles raramente se viram até porque os seus gabinetes estavam em pisos diferentes e almoçavam em alturas separadas pois o Jorge chegava muitas vezes perto do final da hora vindo de teleconferências com clientes de fora de Lisboa que duravam sempre mais do que o habitual. No entanto, o Jorge, sempre que podia, não deixava de falar à noite, pela Internet, com a Andreia, o que, aliás, ele fazia com todos os seus amigos e amigas. Quando estavam muito tempo sem se falarem, eles tratavam de pôr a conversa em dia trocando e-mails. Ocasionalmente, encontravam-se às horas de entrada/saída dizendo "Olá, como vais?" e pouco mais. Assim correram as coisas durante os meses seguintes.
Até que uma 5ª feira, estava o Jorge, no seu gabinete, a organizar as especificações da base de dados dum sistema que um cliente tinha encomendado quando, inesperadamente, o Cláudio entra pelo gabinete.
- Preciso de falar contigo - disse ele.
- Eh pá, estou um bocado ocupado agora - respondeu o Jorge - tenho de acabar de verificar os requisitos para as ligações à base de dados dum programa que os tipos da Manuel Agostinho Duarte pediram em Setembro e isto tem de ficar pronto até amanhã.
- O que tenho para te dizer é mais importante que os teus trabalhinhos! - gritou o Cláudio, arrogantemente. O Jorge ficou espantado a olhar para ele, retirou a mão direita de cima do rato e encostou-se à cadeira.
- Queres-me explicar porque motivo te andas a fazer à minha miúda!? - perguntou o Cláudio batendo com o punho fechado na secretária.
- O quê? Do que estás a falar?
- Não te faças de parvo, eu sei bem que andas a ver se a apanhas para ti ou julgas que ando a dormir? Sempre que a vês na net metes-te logo com ela e pões-te a contar-lhe histórias! E quando não a apanhas, escreves-lhe! Foi isso que aprendeste na faculdade? É normal o pessoal que andou no Técnico andar a fazer-se às mulheres por e-mail ou pela net?
- Cláudio, eu não me ando a fazer à Andreia - respondeu o Jorge calmamente e tentando pôr água na fervura - apenas lhe falo na net como faço com qualquer outra amiga ou amigo meu e escrevo-lhe por vezes assim como ela me escreve a mim. Não há mal nenhum nisso e nós falamos de coisas banais. Eu não tenho qualquer interesse amoroso nela, podes acreditar em mim.
- Isso é o que dizem todos. Só te vou avisar uma vez: pára de andar andares atrás dela! - gritou o Cláudio saindo em seguida do gabinete e batendo com a porta.
O Jorge ficou espantado e boquiaberto a olhar para a porta. E não era caso para menos. Aquela cena era digna dos "Apanhados" e só podia ser uma piada de muito mau gosto. "Andar a atirar-me à Andreia? Ele deve é estar apanhado da cabeça!", pensou. Mas isto não podia ficar assim e exigia-se um esclarecimento. O Jorge pegou no telefone e ligou para o gabinete da Andreia mas ninguém atendeu. Então ele decidiu ir ao piso dela. Chegou lá e não a encontrou. Dirigiu-se a outro gabinete e viu a Vânia, uma colega da Andreia que ela lhe tinha apresentado há uns tempos e perguntou-lhe por ela.
- Boa tarde, Vânia. Olha, viste a Andreia?
- Olá Jorge, tudo bem? A Andreia está na sala dos servidores. Parece que houve um problema com o CVS ela foi lá abaixo ver o que se passa com mais pessoal do departamento. O que tens, sentes-te bem? Estás com uma cara...
- Fisicamente estou bem, obrigado. Psicologicamente, estou abananado. O namorado da Andreia foi ter ao meu gabinete armado em parvo a dizer que ando a fazer-me a ela e que não a largo e sei lá que mais.
- O quê? Estás a gozar... - perguntou a Vânia espantada.
- Estou-te a dizer, ele veio numa de galo para o pé de mim. Eu controlei-me e respondi a bem e mantendo a calma mas isto não pode ficar assim. Agora não posso falar com uma pessoa comprometida??
- Ele deve ter feito confusão ou assim. O Cláudio não é pessoa maldosa. Isso deve ser um mal-entendido. Fala com ele para esclareceres isso bem.
- Não. Quero é falar com a Andreia pois ela é o motivo desta trapalhada. Se ela não está, vou voltar para a minha sala e logo à noite telefono-lhe.
- Fazes bem. Espero que isso se esclareça. Não faz sentido haver sarrabulho por coisas mal explicadas.
- Bem, vou indo. Fica bem e tem um bom resto de dia - disse o Jorge despedindo-se com um beijinho na Vânia.
- Xau, porta-te bem – respondeu ela.
O Jorge foi para o seu gabinete e ficou uns minutos a pensar no que se tinha passado. Aquilo não fazia qualquer sentido. "O rapaz estaria bom da cabeça?", arriscou para si mesmo. Bem, o que interessava agora era acabar o trabalho. Por isso, ele pôs mãos à obra e despachou todos os documentos que tinha à frente.
Nessa noite, o Jorge decidiu telefonar, à Andreia, a seguir ao jantar. Para surpresa dele, foi ela quem lhe ligou, pouco passava das 22:00.
- Olá Jorge, boa noite. Telefono-te por causa do que se passou hoje. Desculpa o comportamento do Cláudio, ele anda com um grande stress e fez uma grande confusão.
- Boa noite Andreia. Obrigado por ligares. Tu não tens nada que pedir desculpa, não fizeste nada de errado. Eu apenas não compreendi o que se passou pela cabeça do teu rapaz para ele me entrar pelo gabinete dentro com uma conversa daquelas...
- Ele tem tido muita coisa para fazer e o tempo parece não chegar para tudo - explicou a Andreia - E agora houve um colega dele que ficou doente e todo o trabalho que ele tinha veio parar-lhe em cima. E ontem, quando me estavas a contar o que se passou na festa de anos daquele teu amigo, eu disse-lhe para esperar um pouco porque estava a falar contigo. E ele sentiu-se rejeitado e passou-se. A sério, desculpa. Eu sei que não andas atrás de mim.
- Tudo numa boa. Ainda bem que sabes isso. Só espero que uma situação como esta não se repita. Não estou para estar a levar com mais disto, seja no emprego, na net ou noutro sítio qualquer.
- Não te preocupes que não volta a acontecer.
- Confio em ti - disse o Jorge num tom agradecido - obrigado pelo telefonema. Se não te importas, ainda tenho coisas para arrumar por aqui que não tive tempo nos últimos dias. Tem uma boa noite e um beijinho para ti.
- Obrigado e para ti também!
O Jorge respirou de alívio. Ao menos ela sabia o que se tinha passado e não havia confusões.
Os dias passaram sem que mais nada de anormal acontecesse. O Jorge e os seus colegas receberam um sistema novo para trabalhar e isso ocupava todo o tempo laboral.
Até que chegou o dia, o tal dia que tudo mudou.
Era uma 5ª feira. A Andreia não tinha ido trabalhar visto que se encontrava em Coimbra em mais uma conferência sobre segurança informática e só devia voltar no Domingo. O Jorge, como de costume, saiu de casa a caminho de mais um dia de trabalho e, pouco antes de chegar à empresa, cruzou-se com o Cláudio na rua, quando ambos se dirigiam a pé, depois de saírem do Metropolitano. Descontraidamente, meteu conversa com ele.
- Boas Cláudio, como vais?
- Bom dia, estou bem. Ando cansado mas cá me vou aguentando. E tu, que contas?
- O costume. Só nos arranjam sistemas todos mamados para criarmos. As pessoas pensam em coisas que não lembram nem ao diabo e julgam que se fazem num estalar de dedos. Oh well, um tipo habitua-se. Tens falado com a Andreia?
- Tenho, todas as noites falamos ao telefone.
- Como está ela?
- Está bem, mas um bocado saturada daquilo. As conferências são sempre o mesmo - disse o Cláudio fazendo um ar enfastiado.
- Aposto que estás com saudades dela? - perguntou o Jorge tocando-lhe no braço com o cotovelo num ar maroto.
- Pois estou. E porque falas assim? Também estás? Já te disse que ela está comigo e escusas de tentar algo com ela! - disse ele de forma ríspida.
O Jorge ficou surpreendido com a afirmação.
- Ó rapaz, eu não ando interessado nela nem a tentar nada. Acho que já te tinha dito isso.
- É? Não é isso que me parece. Estás sempre a falar com ela. Nem a deixas respirar!
- Não a deixo respirar? Eu só lhe falo quando a vejo e quando posso e quando ela pode. Cá para mim estás com ciúmes sem qualquer razão.
- Estás a chamar-me ciumento? - perguntou o Cláudio todo indignado e parando o passo - Tu é que andas a bater couro a ela cada vez que a vês! Estás a ver se a atrais para ficar com ela, não é?
O Jorge ficou completamente espantado com esta afirmação. E percebeu que o que se tinha passado dantes, afinal, ainda não tinha acabado e estava de volta.
- Olha lá, estás-te a passar? Eu ando a bater couro à Andreia? Tu por acaso sabes o que é bater couro a alguém? Deves saber pois andas sempre a falar do mesmo. Deve ter sido assim que a conquistaste, não?
- Tu irritas-me! Ainda na semana passada liguei-lhe e, de repente, ela deu uma gargalhada e, quando lhe perguntei porque se estava a rir, respondeu que era de uma cena que tu lhe tinhas dito! Estou farto! Não és capaz de deixar de te meteres com ela? quando a vês no refeitório, vais logo ter com ela? Não podes mudar de rota e ir para outra mesa?
- Olha lá, mas eu não posso falar com quem me apetece? Eu falo com todas as minhas amigas e nenhum dos namorados delas me vem chatear a cabeça como tu! Eu já disse e repito, eu não quero a Andreia! É preciso fazer um desenho?
- Tu não tentes disfarçar... Eu sei bem o que tu queres... Queres destruir a nossa relação para ficares com ela. E como sabes que não consegues se te declarares a ela, optas por ir aproximando devagarinho para ela cair na tua conversa.
O Jorge estava completamente atónito e sem conseguir raciocinar. Nesta altura, já estava preparado para ouvir de tudo. E sabia que, desta vez, este assunto não iria ficar em águas de bacalhau. Ele tinha que ficar resolvido. De vez.
- Sabes o que vou fazer? Não te vou prestar mais atenção - disse-lhe - Tempo a ouvir-te é tempo desperdiçado. Tu comportas-te com um autêntico puto e envergonhas todos os homens com as tuas palavras. Tens uma miúda espectacular que só tem olhos para ti e dizes disparates destes. Mas eu não tenho de papar disto, isso é que era bom. E agora, eu vou é chegar ao meu gabinete e fazer uma chamada telefónica para uma certa pessoa que está em Coimbra que, de certeza, vais adorar saber o que aqui se passou.
- Uuuuuuuu, tanto medo. Até tremo todo.
- Então vamos ver. De certeza que ela vai adorar saber a forma carinhosa como me trataste agora mesmo.
E o Jorge virou-lhe as costas e acelerou o passo a caminho da empresa. Desta vez tinha passado das marcas e não podia deixar de haver uma solução definitiva. Pensou em telefonar assim que chegasse lá acima mas lembrou-se, e bem, que o trabalho estava em primeiro lugar, por isso, foi ter com os colegas para trabalhar no sistema novo. "Quando chegar à hora de almoço, ligo-lhe e conto esta trapalhada todo", decidiu.
A manhã passou e, quando chegou à altura, ligou para o telemóvel da Andreia. Estranhamente, este tocava, tocava mas não era atendido. O Jorge encolheu os ombros e pensou que talvez ela não pudesse atender e decidiu almoçar primeiro e tentar depois. Assim que acabou a refeição, veio até um dos pátios do edifício e tentou outra vez. Mas agora, a resposta foi diferente. Agora, a ligação foi cortada do outro lado após ter chamado duas vezes. O Jorge estranhou, tentou outra vez e o resultado foi repetiu-se. Intrigado, pensou no que se estaria a passar. Foi então que uma mensagem chegou e, com ela, um autêntico balde de água fria. Dizia apenas:

"És a maior desilusão da minha vida!N acredit k tenhas feito o k fizest!Como fost capaz d andar a gozar e enxovalhar o Cláudio e ainda lhe batest?Eskece k existo!Pra mim morrest e n t kero ver + na vida!"

O Jorge ficou sem pinga de sangue. Estava parado, sem reacção ao primeiro embate. Uma enorme confusão de ideias atravessavam-lhe o espírito. Só pouco depois é que conseguiu voltar a raciocinar e a ligar os acontecimentos. Mas aquela mensagem tinha a ver com o quê? Ele bater no Cláudio? Apenas lhe tinha apertado a mão quando se viram! Havia muita coisa que não estava a fazer sentido. Foi então que ele percebeu. "Aquele cabrão antecipou-se a mim e, para evitar que ela descobrisse e corresse com ele ao pontapé, inventou uma mentira para me calar a boca e pôr-me fora de combate. E, estando ela lá longe, acreditou no que lhe disse". Agora tudo começava a fazer sentido. Tentou telefonar-lhe mais uma vez e, mais uma vez, a resposta foi a mesma: ligação terminada. Ele tinha de fazer alguma coisa. Aquilo era inaceitável! Mas olhou para as horas e reparou que faltavam quatro minutos para o fim do período de almoço e tinha de voltar ao trabalho. Mas desta vez ele não iria deixar para "mais logo" a chamada telefónica. Ele ia falar com o Cláudio já. Chegou ao piso dele e disse aos colegas para que lhe dessem cinco minutos pois queria fazer um telefonema.
- Aqui fala o Carneiro.
- Olha, mas o que é que tu andaste a aldrabar?
- Ah, ah, ah. Mas tu pensas que sabes mais ou que és mais esperto que eu? Tu achavas mesmo que eu me ia deixar apanhar assim? És muito ingénuo. E agora, olha, foi-se o teu sonho. Puf! - afirmou num tom de voz altamente irónico e sarcástico.
- Mas como é que tu foste inventar uma história destas? Mas como é que és capaz de enganar a mulher que, dizes tu, amas? E achas mesmo que vais levar a melhor? Quem mente é sempre apanhado e tu não serás excepção. Quando ela voltar e descobrir que tu lhe mentiste, ela vai-te pôr uns patins debaixo desses pés que sais disparado de Lisboa e só páras em Massamá!
- Mas quem te disse a ti que eu estou a mentir à minha namorada? Há aqui no meu departamento, muitas testemunhas dos teus actos!
- Grande porco! Convenceste-os a mentir por ti! Não tens vergonha nenhuma...
- E ainda não viste o melhor. Vai ver a tua inbox.
E desligou o telefone de seguida.
O Jorge foi ver a caixa de correio e viu que o último era do Cláudio. Ele abriu e nem queria acreditar no que estava a ver. Uma imagem do Cláudio com o olho esquerdo todo negro.
Pela primeira vez desde que esta embrulhada tinha começado, o Jorge estava a perder a calma. Já não pensava com a cabeça mas sim com o coração. Estava a deixar de que os seus sentimentos toldassem o seu raciocínio. E, por um momento, ele uma ideia atravessou-lhe o espírito: o Cláudio podia ganhar.
- Ei, vens ou não?
Era o Pedro, um dos colegas de projecto que estava à porta do gabinete a chamar por ele pois os cinco minutos tinham acabado.
- Vou já - respondeu de imediato. E foi ter com eles.
O resto do dia correu como tantos outros com a diferença de que o seu coração estava acelerado, como se estivesse numa das aulas de natação, e "aquilo" estar constantemente a batalhar-lhe no juízo. Entretanto o dia chegou ao fim mas o Jorge ficou um pouco depois da hora a que era costume sair do emprego para adiantar um pouco mais o trabalho. Olhou para o relógio para ver as horas. Dizia 20:30. Achou que chegava e arrumou o material e decidiu regressar a casa. Estava frio e a chuva estava sempre a aparecer. Foi então que recebeu uma mensagem nova. "Que será agora?", pensou para ele próprio. Era o Paulo, o velho amigo dos tempos do secundário a pedir a ajuda dele.

"Boas man, td bem ctg?Podias passar pla igreja?1 dos pc's tá todo marado e n consigo pô-lo a funcionar.Já jantast?S n, jantas dps em minh casa."

Depois de tanta coisa má, algo para pôr um sorriso na cara dele. Escreveu uma resposta dizendo que ia pôr-se a caminho e que não tardaria a chegar lá. A um velho amigo, não se recusam ajudas.
Atravessar Lisboa num princípio de noite em Outubro tornou-se doloroso pelo trânsito que enchia os acessos e fazia atrasar toda a gente. Depois de sair do autocarro e de ter andado um pouco a pé, chegou a um edifício com um grande crucifixo no telhado e uma placa que dizia: "Paróquia da Nossa Senhora da Ajuda".

Fim da primeira parte

2 Comments:

Blogger João Saraiva said...

Man, já te disse o que tinha a dizer sobre isto. Acho que estás a dar demasiada importância a uma putéfia qq q foi TÃO tua "amiga" que não acreditou em ti. Eu sei que o amor é cego mas isso não é desculpa para o q ela te fez.

Mas não achas que estás a dar demasiada importância a duas merditas (na pessoa dela e do porco namorado dela)?

Pah, só te tenho a dizer: é por coisas destas q se vêem os amigos. É só veres quem acreditou logo em ti e quem acreditou logo no outro pato...

Não achas que é altura de dizeres "FAP" àquelas duas bestas, e a quem não acreditou em ti? Não achas que é altura de dizer "eles q se f*dam"?

Há-de chegar a altura em que estarás em posição de os destruir completamente: de lhes destruir a carreira, a vida social, tudo. E espero que nessa altura não exibas o sinal dos fracos: compaixão e misericórdia. Há-de chegar a altura em que eles vão pagar, trust me. Mas não tentes apressar essa altura. Em vez disso, concentra-te naquilo que mais importa neste momento.

É apenas um conselho, segue-o se quiseres.

Cumps,
JS

18/10/05, 13:10  
Anonymous Anónimo said...

Alô senhor Bento.

Primeiro vinha dar-te os parabéns pela excelente ficção, dizer-te que me tinha deixado agarrado ao computador durante os últimos 10 minutos.

Mas depois vi o comentário anterior. E aí simpatizei com a tua dor. E mais. Não acho que seja fraqueza gostar-se de alguém tanto assim. Mesmo quando ela nos magoa.

Se não fosse assim, porque razão teria o amor uma parte tão importante na nossa vida?

PS: Eu tenho um taco de baseball. Alugo por 5 euros à hora.

Abraço,
Don Geovanni

21/10/05, 00:15  

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